Mário da Silva Ferreira, um menino com dez anos de idade e a quarta classe feita, foi como tantos outros “despachado” da sua aldeia serrana de Pepim para a zona de Marvila, a mais castrense de Lisboa. Hoje parece quase impossível imaginar que o mesmo possa passar, mas naqueles tempos fazê-lo era uma forma de as famílias numerosas tentarem obviar à pobreza. Alguns, se não todos, os filhos eram “despachados” para quiçá agarrarem um trabalho e uma profissão e atingirem um pouco mais do que seria possível na aldeia. Mário da Silva Ferreira dedicou-se a uma multiplicidade de profissões: “moço” e ajudante em armazém de vinhos, ajudante de pastelaria e restaurante, distribuidor alimentar e motorista de pesados. Ao contrário de muitos dos seus conterrâneos, trabalhou em várias zonas de Lisboa para além da “sua” Marvila e várias vezes teve de caminhar à noite pela linha de comboio até chegar à barraca onde vivia na Quinta Marquês de Abrantes, outra forma de dizer Bairro Chinês.
Mário Ferreira define-se a si mesmo como um homem do associativismo, seja em Marvila onde foi um dos fundadores da Casa do Concelho de Castro Daire em Lisboa e também diretor de bailes da associação do Rossão ou em Pepim, onde fez parte de tantas comissões de festas da sua aldeia e às vezes, sem fazer parte da comissão era como se fizesse, pois os seus dotes de organização e de angariação de apoios eram e são reconhecidos por todos. Como muitos dos emigrantes, Mário Ferreira não sabe bem onde pertence: depois de uma ou duas semanas na aldeia começa a ter saudades da sua “malta amiga” de Lisboa, dos lugares que conhece com a palma da sua mão e até pensa que os ares ou a água da terra lhe altera algo no organismo. No entanto, quando pode volta sempre à sua amada aldeia Pepim, assumindo essa condição de pertença difusa como um destino que não é nem bom nem mau, apenas é.
Entrevista a Mário Ferreira realizada por Susana Rocha no dia 25 de fevereiro de 2015 em Marvila (Lisboa). Edição audiovisual de Nely Ferreira.
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